Uma reflexão sobre o protagonismo negro na filantropia brasileira
Há tempos escuto críticas de que o setor filantrópico é um dos grandes responsáveis por perpetuar a imagem do negro vinculado à pobreza. Campanhas de captação de recursos de organizações sem fins lucrativos no mundo inteiro frequentemente usam fotos de banco de imagens de crianças negras em situação de extrema vulnerabilidade. Precisamos pensar em como desconstruir esse paradigma reforçando outras imagens e narrativas, com o negro como doador e protagonista, e não como beneficiário de campanhas de doação.
Tenho acompanhado o crescimento do movimento #blackphilanthropy dos EUA, que promove justamente essa questão. Criada nos anos 70, a ABFE (Association of Black Foundation Executives) promove anualmente a maior conferência sobre o assunto no mundo. O "Black Philanthropy Month" é celebrado todo mês de agosto com o intuito de fortalecer e conectar lideranças afrodescendentes atuando no setor filantrópico. Outra iniciativa é o Young Black and Giving Black Institute, que tem como missão educar e inspirar jovens filantropos negros e influencers a preparar as novas gerações para posições de lideranças.
Nos EUA, os grandes doadores negros representam vários setores da economia. No setor de entretenimento, se destacam personalidades como Oprah Winfrey e Russel Simons; na área de esportes, fundações de atletas como a do Magic Johnson e a do Kobe e Vanessa Bryant. No setor empresarial também não faltam exemplos; um deles é Robert Smith, CEO da Vista Equity Partners, que recentemente fez uma doação de 40 milhões de dólares para pagar a faculdade de uma turma inteira.
E quem são os filantropos negros no Brasil? Existem muitas instituições de jogadores de futebol e da classe artística brasileira, que são setores extremamente engajados e generosos. Mas o que acontece em outros segmentos profissionais? Um exemplo recente é o Fundo de Bolsas Dr. Rafael Bispo. Médico cardiologista de Duque de Caxias (RJ), o Dr. Bispo é hoje sócio de uma rede de clínicas populares. Filho de um despachante que sonhava ser médico mas que não teve recursos nem para pagar a condução para prestar o vestibular, Dr. Bispo passou por muitas dificuldades para conseguir cursar medicina.
Quando ingressou na faculdade, antes das políticas de ações afirmativas, o valor da matrícula era mais alto do que o salário que seu pai ganhava. No primeiro ano, Dr. Bispo conseguiu um emprego que garantia uma bolsa de 25% na mensalidade e usava as madrugadas para estudar. Sua mãe, que era dona de casa, pegou um serviço de limpeza para poder ajudar a pagar os estudos. Hoje com 37 anos, Dr. Bispo se juntou ao amigo Raiam Santos, empresário do marketing digital, autor e palestrante, e anunciaram em podcast a criação de um fundo de bolsas para um estudante de medicina negro. Os quatro primeiros alunos foram selecionados em agosto, e em breve será aberto novo processo seletivo.
E quem são os executivos negros transformando o setor filantrópico? Não faltam exemplos e uma dessas pessoas é Luana Genot, fundadora do IDBR e criadora do prêmio "Sim à Igualdade Racial". Anualmente ela reúne no Copacabana Palace as mais importantes lideranças negras do Brasil, além de premiar empresas e iniciativas que promovem a igualdade racial. Com os recursos arrecadados, o IDBR apoia fundos de bolsas, cursos de inglês e outras iniciativas de inclusão no mercado de trabalho.
Se, por um lado, ainda vejo fotos de banco de imagens usadas de forma depreciativa em campanhas de captação de recursos de grandes ONGs, exemplos como os que citei aqui apontam para uma nova direção: o de potência, liderança e protagonismo.
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