O molho de salada e a revista que impactam a vida de milhões de pessoas
O ano era 1980, e o ator Paul Newman e o roteirista A.E. Hotchner decidiram presentear os amigos nas festas de fim de ano com um molho de saladas caseiro, colocado em garrafas de vinho vazias, que vinham com um rótulo com o rosto do Paul Newman e a frase "Newman's Own". A receita devia ser boa, pois os amigos pediram mais. Paul Newman e Hotch decidiram então criar uma empresa para comercializar esses molhos de salada, inicialmente como uma brincadeira, sem muitas expectativas que o negócio iria vingar. A brincadeira deu certo e já no primeiro ano o lucro da empresa excedeu 300 mil dólares, e Paul Newman resolveu doar todo o lucro para instituições de caridade. Assim surgiu a Newman's Own, uma empresa que hoje vende diversos produtos alimentícios com 100% do lucro revertido para causas sociais.
Após a morte do ator em 2008, o controle da empresa passou a ser da Newman's Own Foundation , fundação criada por ele e beneficiária da totalidade dos lucros gerados pelo negócio. A empresa passou por um questionamento jurídico com relação à legalidade de uma fundação sem fins lucrativos ser controladora e beneficiária da totalidade dos lucros de uma empresa, até que em 2018 o presidente Donald Trump sancionou a lei que regulamenta oficialmente a existência das "philanthropic enterprises", empresas que destinam 100% dos seus lucros para uma causa social. Com a regulamentação jurídica, outras empresas similares estão surgindo nos EUA e a expectativa é de que esse modelo cresça como uma alternativa de financiamento para ações de impacto social e ambiental.
Nessas quase quatro décadas de operação, as doações feitas pela Newman's Own Foundation totalizam mais de 550 milhões de dólares, investidos em 8.000 instituições. Se Paul Newman deixou um legado na indústria cinematográfica como ator, a Newman's Own contribui para um legado social muitas vezes maior, que segue impactando a vida de milhões de pessoas, mais de uma década após da morte do ator, em 2008. Seu amigo roteirista A.E. Hotchner, que fundou a empresa com ele, faleceu aos 102 anos na semana passada. Seu legado irá perdurar para muito além das biografias e roteiros que escreveu.
Enquanto isso no Brasil, também no ano de 2008, surgia a semente de uma outra empresa filantrópica, a editora MOL, fruto de uma parceria entre o administrador Rodrigo Pipponzi e a jornalista Roberta Faria, e hoje a maior editora de impacto social do mundo. Na época Rodrigo fazia trabalhos voluntários para o GRAAC, um centro médico dedicado a tratamento e cura do câncer infantil em São Paulo, e percebia o desafio que eles tinham com captação de recursos. Decidiu então criar um produto editorial que tivesse lucro revertido para essa causa, mas logo encontrou a primeira barreira: o custo de distribuição inviabilizava o negócio. Teve a ideia então de distribuir na rede de farmácias da família, a Droga Raia, que na época tinha 120 lojas. Surgiu assim a Revista Sorria, vendida no caixa das farmácias, com custo patrocinado por empresas de saúde, e lucro revertido para o GRAAC. O resultado foi surpreendente e a primeira edição com 120 mil unidades esgotou em 3 semanas, resultando em 267 mil reais doados. E no primeiro ano, as doações chegaram a quase 1.5 milhões de reais.
Em 2013 veio um divisor de águas para a editora MOL. Quando o GRAAC inaugurou um hospital construído inteiramente com o recurso doado pela Revista Sorria, ampliando em 30% sua capacidade de atendimento, Rodrigo e Roberta perceberam o potencial de impacto e a responsabilidade que tinham nas mãos. Decidiram transformar a editora em um negócio de impacto social inteiramente dedicado a multiplicar esse modelo de doação para além da rede Raia Drogasil.
Hoje os produtos editoriais da MOL podem ser encontrados em grandes redes de loja como a Vivara, Pandora, Petz, RiHappy, WH Smith, no grupo Pão de Açúcar, entre outros. Os produtos editoriais vão além de revistas e livros, incluindo jogos e calendários. Assim como no caso do molho de salada caseiro, que começou com uma ideia simples, o impacto da MOL ultrapassa 33 milhões de reais doados para 70 organizações sociais, como a Turma do Bem, organização que completa 20 anos e oferece atendimento odontológico gratuito para 78 mil crianças e adolescentes por ano. O impacto social da editora transcende o valor das doações. A revista Sorria deu origem à área de investimento social da Raia Drogasil, hoje bem mais robusta e estratégica do que há 10 anos quando a revista foi lançada. Outros projetos na área de saúde serão contemplados nos próximos três anos, e sendo selecionados por meio de um edital. A empresa constituiu um instituto familiar, que se dedica inclusive a fortalecer a gestão das organizações da sociedade civil e promover a cultura de doação.
A filantropia corporativa no Brasil ainda é muito fraca, mas cada vez mais as empresas começam a entender que devem ter um propósito e um papel de gerar valor para a sociedade além de gerar valor para seus acionistas. Que os legados da editora MOL e da Newman's Own possam servir de inspiração para empresários ao redor do Brasil. Vale também para que instituições sem fins lucrativos possam pensar em criar braços de negócios que gerem receita para financiar suas missões, para que não dependam somente de doações.
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